01 Março 2024
Israel propõe um plano para a evacuação de civis palestinos de Rafah, sem especificar os detalhes. O direito internacional humanitário permite evacuações temporárias, mas proíbe transferências forçadas de populações.
A reportagem é de Vinciane Joly, publicada em La Croix Internacional, 28-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os militares israelenses apresentaram um “plano para a evacuação de civis das zonas de combate” na Faixa de Gaza, conforme anunciado pelo gabinete do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, no dia 26 de fevereiro.
Netanyahu continua empenhado em lançar uma ofensiva militar contra a cidade de Rafah, onde quase 1,5 milhão de palestinos deslocados estão concentrados. “Há espaço” para os civis “se moverem para o norte de Rafah, para áreas onde terminamos o combate”, disse o primeiro-ministro israelense à CBS, a rede comercial estadunidense de televisão e rádio. Nenhum detalhe foi fornecido sobre os procedimentos de evacuação ou os locais de realocação.
Contudo, levanta-se a questão sobre se Israel tem o direito de ordenar novamente a realocação dos palestinos. As Convenções de Genebra e as regras estabelecidas pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em 2005 proíbem práticas militares capazes de “criar pânico e fuga entre a população”. O direito internacional humanitário proíbe especificamente as transferências forçadas de população, exceto em casos de necessidade militar imperiosa, e enfatiza os deveres da potência ocupante em relação aos civis.
Território ocupado
O direito internacional distingue entre movimentos espontâneos e transferências forçadas de populações dentro e fora de um determinado território, tanto em conflitos armados internos quanto internacionais. No caso da Faixa de Gaza, duas classificações poderiam ser aplicadas: um conflito armado não internacional, entre um grupo armado, o Hamas, e um Estado, Israel, ou um conflito armado internacional, devido à situação de ocupação predominante nos Territórios Palestinos desde 1967.
Nos conflitos armados internacionais, a Quarta Convenção de Genebra de 1949, da qual Israel faz parte, regula as transferências de população. O artigo 49 desse texto – explicitamente inserido após as deportações de judeus durante a Segunda Guerra Mundial – proíbe “as transferências forçadas, em massa ou individuais, bem como as deportações de pessoas protegidas do território ocupado (...) qualquer que seja o motivo”.
“Contudo, a potência ocupante poderá proceder à evacuação total ou parcial de uma dada região ocupada, se a segurança da população ou imperiosas razões militares o exigirem”, esclarece o texto. Afirma-se especificamente que “a população assim evacuada será reconduzida aos seus lares logo que as hostilidades tenham terminado neste setor.”.
Além disso, é responsabilidade da potência ocupante garantir que “as pessoas protegidas sejam recebidas em instalações apropriadas, para que as deslocações sejam efetuadas em condições satisfatórias de higiene, saúde, segurança e alimentação e para que os membros de uma mesma família não sejam separados uns dos outros.”.
Manter os civis seguros
“Diferenciar deslocamentos forçados – que são estritamente proibidos – e evacuações de populações”, observa Julia Grignon, diretora de pesquisa científica do Irsem e presidente do Subcomitê de Direito Internacional Humanitário e Ação Humanitária da Comissão Consultiva Nacional de Direitos Humanos. “As evacuações temporárias da população são permitidas. Elas exigem colocar os civis em segurança e fornecer-lhes comida e abrigo, em condições habitáveis de higiene e saúde. Não é o caso de Israel em relação aos palestinos na Faixa de Gaza”, explica a pesquisadora.
Independentemente da classificação do conflito, o CICV lembra que o direito internacional consuetudinário, que se aplica a todos os Estados, proíbe “a deportação ou transferência forçada de toda ou parte da população de um território ocupado, exceto quando a segurança dos civis ou razões militares imperativas assim o exijam”.
Nos casos em que a “necessidade militar imperiosa” assim o exija, “as pessoas deslocadas têm o direito de regressar voluntariamente em segurança às suas casas ou locais de residência habitual, assim que as razões para sua deslocação forçada deixem de existir”, de acordo com a regra 132 do CICV. Assim, cabe à potência ocupante criar condições que levem ao retorno, ao reassentamento e à reintegração sustentável das pessoas deslocadas.
As violações dessas disposições constituem crimes de guerra, aponta o artigo 147 da Quarta Convenção de Genebra. Além disso, os estatutos do Tribunal Penal Internacional, adotados em Roma em 1998, preveem que, se cometidas em conexão com um ataque sistemático e em grande escala contra a população civil, a deportação e a transferência forçada de populações também podem ser classificadas como “crimes contra a humanidade”.
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Guerra em Gaza: o que diz o direito internacional sobre o deslocamento de pessoas? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU